Enfrentando o BurnOut – Dia 3

Eu me desconectei de mim mesma.

Como decidi encarar o desafio de me entender e identificar qual foi o caminho que me levou até onde estou hoje, parece-me de bom tom que eu repasse minhas memórias em busca de padrões e desvios do que é considerado uma pessoa racional e equilibrada, ou ainda funcional. “Normal”.

Lembro-me com muita clareza de diversos momentos que me deixava tensa desde criança. É como se eu não me sentisse segura na minha própria casa. Haviam momentos de segurança, mas a maioria não era. Olhei muito para isso logo após morar sozinha, pois vi que muito daquele medo continuava me acompanhando, a ponto de eu não me sentir bem na minha própria casa.

Eu não fui criada por ambos meus pais por muito tempo. Eles tentaram, hoje eu sei. Mas não deram certo. Cada um trouxe consigo uma bagagem inimaginável de problemas não resolvidos, e eles não conseguiram se resolver antes de me trazer ao mundo. E está tudo bem. Hoje, como mãe, tive a oportunidade de entender profundamente que as pessoas somente conseguem entregar aquilo que elas tem. Incluo-me nessa.

Hoje, como adulta, entendo que preciso parar de olhar para trás, de basear minha vida no que me aconteceu no passado. Faz todo o sentido! No entanto, se eu não olho com carinho, não percebo grande parte das dificuldades que me acompanham e me atrapalham na conquista dos meus objetivos. Deve existir um meio termo, no qual você vive diariamente olhando para o presente, o futuro e a família que você criou, mas ao menos uma vez por semana, em terapia, você olha para essa carga toda e acolhe, ressignifica. Cada pedrinha a menos na mochila da vida, é um impulso para andar com mais leveza.

Uma coisa que me abalou muito foi ver meus pais brigarem. Eles não eram de sair nos tapas, mas de gritar muito um com o outro, principalmente minha mãe. Lembro dela me mostrar o telefone em que meu pai estava tentando conversar com ela (sem gritar, apenas falando firme) e dizer “está vendo? Seu pai é louco!”.

Uma vez, após separados, meu pai foi nos buscar em casa. Ele queria conversar com a minha mãe, mas ela não queria falar. Depois de muito insistir, ela desceu e veio falar com ele. A insistência foi: esvaziar o pneu dela. Ela veio, eu e meu irmão no carro. Daí, do nada (eu não ouvi nada da conversa) ela sai correndo para dentro de casa e ele corre atrás dela. Ela fecha a porta às pressas e ele dá uma bica na porta. Essa imagem ficou muito marcada para mim, pois a porta ficou com avarias depois do chute dele, me lembrando diariamente da violência contra a minha mãe cada vez que eu atravessava por ela.

O que mais me lembro é que ele tinha acabado de comprar um tênis novo. Foi a primeira coisa que ele mostrou quando chegamos. Isso ficou muito marcado para mim. Será que eu associo calçado/pés à violência, e por isso meus pés doem todos os dias e eu não invisto em sapatos? Por isso meus pés são gelados e pouco estáveis? Por isso tenho cãimbra nos pés desde nova, mesmo sem peso para carregar? Talvez.

Depois do chute, minha mãe ligou para o pai dela, mais conhecido como meu avô. Quando viu que ele estava indo para nossa casa, ela disse para irmos embora porque ele chegaria muito bravo e não queria que estivéssemos por ali quando isso acontecesse. Eu não entendi nada na época, mas hoje entendo exatamente o que ela quis dizer.

Falar para um adulto em uma situação de extremo estresse para olhar para frente e deixar o passado para trás, não me parece muito saudável. Muita coisa que aconteceu comigo me moldou. Eu sou consequência da minha história. Algumas coisas eu fui responsável, e outras não. No entanto, fingir que nada aconteceu e começar uma vida do zero, parece coisa de narcisista. Ninguém em sã consciência consegue esse feito, sem afetar todo mundo à sua volta.

Acredito fortemente que eu consigo sair desse buraco que estou. Já fiz tanta terapia das mais diversas formas, e uma coisa posso dizer com clareza: o terapeuta vê aquilo que ressoa com ele. Por isso acho extremamente difícil e improvável continuar com a mesma pessoa e a mesma técnica após atingir determinados objetivos. Se a pessoa que busca ajuda entrega sua vida e decisões nas mãos do profissional, ela mais uma vez perde o controle da própria vida. Mas a intenção não era o contrário?

Lembra da história do meu profissional de psicologia? Pois é. Seu anseio era ter uma renda estável. Entendo que foi esse o motivo para me aconselhar a brigar com unhas e dentes para ficar no emprego que me fazia muito mal e não tentar empreender. Ele mesmo estava buscando isso para si. Agora, como terei apoio para uma jornada de um profissional que não quer chegar lá ou que possui ressalvas sobre o assunto? Parece bem incoerente.

É a mesma coisa que pedir conselho a alguém que nunca fez o que você está tentando. Ouço muitos conselhos desnecessários de pessoas que não passaram pelo que eu passei, que se acham melhores do que eu ou ainda que acham que tudo é muito simples e as emoções devem ser suprimidas. O detalhe é que nenhuma delas alcançou o que estou buscando. Por isso, não uso nenhum deles.

Bom, depois da “sessão desabafo” acima (não se engane, é terapêutico escrever um monte de coisas e editar depois, traz uma clareza incrível do que tem dentro de você. Super recomendo!), voltemos ao enredo principal: desconexão de mim mesma.

Recentemente passei por um trauma intenso, que envolveu BO e tudo. Eu não tenho nem palavras para descrever o nojo e a revolta que me dá pensar nisso. Na frente do delegado, tive crise de pânico. A pergunta que ressoava na minha cabeça era “Como eu permiti que algo dessa magnitude acontecesse?” A segunda parte da pergunta, no entanto, foi a mais paralisadora “Como vou confiar em alguém de novo?”

Não sei se você, leitor, já passou por algo que abalou sua estrutura dessa forma. Foi muito difícil para mim encarar este fato pois repercutiu em todos nós, e ainda repercuti. Passei uns bons dois anos sem conseguir confiar em ninguém. Os 10 kilos que ganhei no último emprego, também estavam relacionados a isso.

Isso faz pouco mais de três anos. Ainda dói em lembrar o que houve. Fiz terapia de liberação de traumas e ainda preciso fazer mais, mas já ajudou demais! Agora, o que isso tem a ver com eu me desconectar de mim mesma? Aqui vem o plot twist.

Em um dos muitos registros que fiz dos meus sentimentos, percebi que a pessoa que eu era quando aconteceu esse trauma estava m*rta para mim. Sim, usei essas palavras para descrever. Ou seja, ao invés de eu apoiar aquela que buscou incessantemente uma vida melhor e que, infelizmente, teve que lidar com um trauma profundo, eu estava sufocando ela. Imagina a dor que eu mesma estava me causando sem perceber? Pois bem.

Após entender este fato, comecei a conversar com ela e a perdoá-la. Disse a ela que estava profundamente orgulhosa de tudo o que ela alcançou – estou mesmo, que não fui justa com ela por suprimi-la e que a quero ter novamente como parte de mim. Que preciso da força dela para continuar, porque minha força m*rreu com ela. E foi aí que comecei a conseguir sentar novamente ao computador para trabalhar.

É muito comum a gente não se perdoar, mais do que imaginamos. Só que às vezes não está na superfície e nem percebemos que estamos fazendo isso. Se você chegou até aqui e eu puder lhe dar uma sugestão: perdoe-se. Não seja tão duro consigo. Seu eu interior agradece.

Não sei se você, leitor, está se perguntando isso, mas o título é sobre burnout e eu não estou falando de trabalho diretamente. Pois é, não falo de trabalho mas trabalho. Cada vez que eu me sento ao computador e escrevo aqui, junto mais uma pecinha no caminho da minha mudança. Mais para frente, poderei ajudar pessoas que estão passando por algo semelhante, porque eu já terei trilhado este caminho.

É a minha forma de ressignificar o trabalho ❤️

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Espero que tenha gostado da leitura e até o próximo registro!

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